Acordo de Paris: saída dos EUA reforça nova dinâmica geopolítica e protagonismo da China
Por Luiz Eduardo Osorio
A recente saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris terá amplos reflexos sobre o cenário diplomático, econômico e ambiental. Em um momento em que nações e empresas se preparam para a transição rumo a uma economia de baixo carbono, a decisão norte-americana abre espaço para uma maior aproximação entre China e Europa. Também aumenta a pressão internacional sobre os líderes globais para que estabeleçam metas mais ambiciosas de redução de emissões e as anunciem nas próximas reuniões climáticas.
Em dezembro de 2015, 196 nações reuniram-se em Paris e concordaram em manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais. Esse compromisso público, assumido também pelo governo dos Estados Unidos, foi firmado e enviado ao Alto Comissariado das Organizações das Nações Unidas (ONU). Esta ação contrasta com a postura adotada em relação ao Protocolo de Kyoto, que não chegou a ser aceito ou ratificado pelo governo norte-americano. No pior cenário traçado pela ONU, sem o comprometimento dos Estados Unidos, poderia haver um aumento de 0,3°C na temperatura global para além dos 2º C.
Ao rever a sua adesão ao Acordo de Paris, os Estados Unidos tornam-se, ao lado da Síria (em guerra civil) e da Nicarágua (que considerou o acordo tímido), parte dos três únicos países do mundo que não se comprometeram a reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O vácuo geopolítico criado estimula uma maior aproximação entre China e Europa, que já reforçaram nas últimas semanas o engajamento em relação ao tema das mudanças do clima, acenando inclusive com um potencial intercâmbio de permissão de emissões entre os países, assim como investimentos cruzados.
Em busca de maior protagonismo internacional e competitividade de seus produtos nesse novo cenário, a China direciona os seus esforços diplomáticos e de cooperação para acelerar a expansão das fontes limpas de energia na matriz elétrica global. O governo chinês é o principal incentivador da Global Energy Interconnection (GEI), que tem como meta ampliar para 80% a participação das fontes renováveis no consumo primário global de energia em 2050. Para cumprir este objetivo ambicioso, a estimativa é a de que o GEI demande US$ 50 trilhões em investimentos em novas usinas, como eólicas e solar, e na construção de grandes sistemas de transmissão, que promoveriam a interconexão dos cincos continentes.
Embora o desfecho da iniciativa seja incerto, observa-se que o Acordo de Paris se insere em um contexto de reconfiguração do fluxo de investimentos e comerciais, de rearranjo dos acordos geopolíticos e abertura de novos mercados. Com a manutenção da precificação do carbono como uma tendência irreversível, o retrocesso no apoio às fontes renováveis de energia significaria prejuízos financeiros, com perda de competitividade industrial e de exportações. Alguns governos, como o da França, já estudam sobretaxar em 100 euros por tonelada de CO2 os produtos importados, cuja pegada de carbono não tenha sido neutralizada.
Aqui, novamente, nota-se o governo chinês utilizando o seu peso geopolítico e econômica para fomentar um novo modelo de desenvolvimento. Com a China mantendo seus preparativos para lançar seu mercado nacional de carbono neste ano, estima-se que 20% das emissões globais serão cobertas por mecanismos de precificação, hoje adotados por mais de 60 países e mais de 500 empresas no mundo. Outras 700 companhias planejam fazer o mesmo até 2018, segundo o CDP.
A preocupação de ver as “portas fechadas” para as oportunidades de um mundo voltado para a economia de baixo carbono tem estimulado autoridades municipais e estaduais dos Estados Unidos a reforçar ou ampliar o compromisso com políticas públicas e tecnologias verdes. Os estados de Nova York, Washington e Califórnia – que reúnem um quinto da população e do PIB do país e responderam por 11% das emissões em 2014 – anunciaram que irão manter as suas metas de redução de poluição global, mesmo com a decisão do governo federal na direção oposta. Outras 200 prefeituras fizeram pronunciamentos na mesma direção.
A Califórnia – que, se fosse um país, seria a sexta maior economia mundial – reforçou sua decisão de que 50% de sua energia seja oriunda de fontes renováveis até 2030 e que toda sua energia seja gerada por fontes limpas até 2045. A região quer criar mais valor na economia de baixo carbono. Com a adoção de leis que buscaram incentivar a utilização de novas tecnologias, a economia da Califórnia expandiu 80% entre 1990 e 2014 e sua população cresceu 30%, mas as emissões per capita caíram cerca de 20% neste período e as emissões por produção econômica despencaram 44%, segundo estudo da Comissão de Energia do Estado.
Os resultados alcançados pela Califórnia ao longo das últimas três décadas reforçam a percepção de que crescimento econômico e redução das emissões de CO2 podem caminhar lado a lado, gerando riquezas, renda e novos empregos. Estudo recente da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, sigla em inglês) prevê que essas fontes de energia deverão agregar US$19 trilhões para a economia mundial até 2050 e criar seis milhões de empregos.
A nova configuração do Acordo de Paris não terá impactos significativos no curto prazo para o Brasil, que, no começo de junho, promulgou os compromissos assumidos pelo País para combater as mudanças do clima. Dispondo de uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo – sendo 80% da geração elétrica oriunda de fontes limpas, com ênfase para as hidrelétricas e usinas eólicas –, o Brasil e as empresas brasileiras podem ganhar espaço no cenário internacional, por exemplo, seja atraindo investimentos em fontes renováveis, seja na exportação de produtos com menor pegada de carbono.
No médio e longo prazos, a nova dinâmica geopolítica pode significar o estreitamento dos laços econômicos de Brasil e China. Hoje, o país asiático já é o principal parceiro comercial do nosso País e caminha para se consolidar como um dos principais investidores estrangeiros, sobretudo no campo da infraestrutura. A cooperação entre as duas nações, a exemplo da criação de um fundo de investimento com US$20 bilhões para financiar projetos nas áreas de Logística, Energia, Recursos Minerais, Agricultura, Indústria de Manufatura e Serviços Digitais, pode alçar o Brasil à posição de líder proeminente no processo de transição para uma economia global de baixo carbono.
*Luiz Eduardo Osorio é vice-presidente Jurídico, Relações Institucionais e Sustentabilidade da CPFL Energia.