A vida na África e na Bahia sob os olhares de Pierre Fatumbi Verger e Carybé
“Verger e Carybé: entre as duas margens do Atlântico”,no SESI Campinas. A mostra apresenta cenas da vida cotidiana da África iorubá e da Bahia através do olhar de Pierre Fatumbi Verger e Carybé. A curadoria é assinada por Luiz Gustavo Carvalho.
O fotógrafo, etnólogo, antropólogo e babalaô Pierre Verger dedicou a maior parte da sua vida aos estudos sobre esta cultura na África e na Bahia, onde fixou residência em 1946. Seus livros, tais como Fluxo e Refluxo e Orixás, e o seu rico e extenso registro visual são uma das maiores pesquisas realizadas sobre este tema no Brasil.
O artista visual Carybé também foi seduzido pela “Roma negra”, onde acabou se instalando e, durante décadas, retratou com impressionante virtuosismo a vida das ruas da Bahia. Realizou ainda duas visitas ao Benim, onde teve a oportunidade de documentar festas, crenças e cenas da vida cotidiana no continente africano.
A exposição convida o público a descobrir, por meio de fotografias, desenhos e aquarelas de ambos os artistas, cenas de impressionante semelhança, retratadas ora nas cidades do Benim e da Nigéria, ora nas ruas da Bahia. São 64 obras, que mostram a admiração de ambos os artistas pela Bahia e pelas religiões afro-brasileiras. “Fiz várias idas e vindas entre a Bahia e a África. Amo quase igualmente as duas margens do Atlântico, com um pouco mais de ternura, no entanto, pela ‘Boa Terra da Bahia’. Essa cidade possui um não sei-o-quê que me prendeu e enfeitiçou…”, disse Pierre Verger uma ocasião.
Já Carybé, assim se expressou acerca das crenças de origem africana que descobriu em Salvador: “ (o meu trabalho) pretende ser um documento honesto e preciso das coisas do Candomblé, mostrando festas, trajes, símbolos e cerimônias por mim vistas e vividas neste mundo prodigioso que os escravos nos trouxeram e depositaram nas profundezas do coração da Bahia.”
Assim, a exposição retraça, ainda, a rota do tráfico negreiro, que ligava o Benim à Bahia, e aborda, a partir da arte, um tema de extrema importância neste triste capítulo da história brasileira e de grande importância na formação do povo brasileiro: o legado cultural trazido para o Brasil pelo povo iorubá.
Mais sobre os artistas:
Pierre Verger
Fotógrafo, etnólogo, antropólogo, pesquisador e babalaô, Pierre Fatumbi Verger (1902-1996) nasceu em Paris, em 1902. Entre 1932 e 1946, após ter aprendido o ofício da fotografia, passou 14 anos consecutivos em viagens ao redor do mundo, trabalhando como fotojornalista para os mais importantes jornais, agências e centros de pesquisa da época. Em 1946, desembarcou na Bahia e, sendo logo seduzido pela hospitalidade e riqueza social que encontrou na cidade, decidiu se instalar na sua capital. Em Salvador, descobriu o candomblé e iniciou um profundo estudo acerca do culto aos orixás.
Esse interesse pela religiosidade de origem africana lhe rendeu uma bolsa para estudar rituais na África, para onde partiu em 1948, com uma bolsa concedida pelo Instituto Francês da África Negra. A intimidade com a religião, que tinha começado na Bahia, facilitou o seu contato com sacerdotes e autoridades e ele acabou sendo iniciado como babalaô – um adivinho através do jogo do Ifá, com acesso às tradições orais dos iorubás. Em 1954, publica Deuses da África (Dieux d’Afrique), seu primeiro livro, editado por Paul Hartmann (Paris).
A história, os costumes e, principalmente, a religião praticada pelos povos iorubás e seus descendentes, na África Ocidental e na Bahia, tornaram-se os temas centrais de suas pesquisas e sua obra. Apesar de ter se fixado na Bahia, Verger nunca perdeu seu espírito nômade. Após ter regressado da sua viagem à África, tornou-se, até o final dos anos 80, uma espécie de mensageiro entre o Brasil e África, dividindo seu tempo e sua atenção entre estes dois continentes.
Como ações resultantes desse trabalho, criou museus nos dois lados do Atlântico, incentivou intercâmbios culturais, universitários e religiosos entre a Bahia e os países do golfo do Benin, fomentando diversas trocas, principalmente entre Ifé, na Nigéria, e Salvador, no Brasil. Em Salvador, tornou-se personagem importante em certos terreiros históricos da cidade, principalmente no Ilê Axé Opô Afonjá e no Terreiro do Gantois, além de ter sido um dos envolvidos com a criação do terreiro Ilê Axé Opô Aganju, em 1972.
Em 1988, Verger criou a Fundação Pierre Verger, transformando a sua própria casa na sede da Fundação e num centro de pesquisa. Em fevereiro de 1996, Verger faleceu, deixando como legado um expressivo acervo fotográfico, baseado no cotidiano e nas culturas populares dos cinco continentes, e uma obra escrita de referência sobre as culturas afro-baiana e diaspóricas, voltando seu olhar de pesquisador para os aspectos religiosos do culto aos orixás na África e do candomblé no Brasil.
Carybé (Hector Julio Paride Bernabó)
Conhecido mundialmente como Carybé, o pintor, escultor, ilustrador, desenhista, cenógrafo, ceramista, historiador, pesquisador e jornalista Hector Julio Paride Bernabó nasceu em Lanús, na Argentina, em 1911. Caçula de cinco filhos, iniciou-se no meio artístico, após ter passado parte da sua infância com a família na Itália, como ajudante no atelier de cerâmica que seu irmão mantinha no Rio de Janeiro. Em seguida cursou, por dois anos, a Escola Nacional de Belas Artes e atuou como ilustrador e diagramador de revistas e jornais.
Em 1930, a família chega à Argentina junto com a crise econômica mundial. Contratado pelo jornal El Pregón, Carybé volta em uma viagem ao Brasil, de onde deveria enviar ao jornal artigos e desenhos com as suas impressões dos portos visitados. É nesta ocasião que visita, pela primeira vez, Salvador, cidade onde se instalaria definitivamente a partir de 1950. Em Salvador, recebeu uma bolsa de trabalho da Secretaria de Educação da Bahia, que lhe permitiu produzir uma série de desenhos publicados posteriormente na Coleção Recôncavo.
Teve sua obra exposta nos principais museus e centros de arte do Brasil e de países como Argentina, Estados Unidos, Japão, Itália, Alemanha, França, Iraque, Portugal, Espanha e México. Em 1955, conquistou o 1º Prêmio Nacional de Desenho, na III Bienal de São Paulo. Amigo de importantes artistas, como Rubem Braga, Pierre Verger, Dorival Caymmi e Jorge Amado, Carybé ilustrou diversos livros de importantes autores tais como Mário de Andrade, Jorge Amado e Gabriel García Márquez. Em 1957, naturalizou-se brasileiro. No mesmo ano, recebeu o título de Obá de Xangô oferecido pelo terreiro de candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, onde foi iniciado nos mistérios da religião.
Carybé manteve relações com essa religião afro-brasileira até o final da sua vida. Em 1981, ano em que completou seus 70 anos, mais de quinze mil pessoas reuniram-se no Largo do Pelourinho para o lançamento do livro Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia, fruto de trinta anos de pesquisas. Artista extremamente produtivo e inquieto, teve a sua genialidade associada à Bahia, cuja essência soube materializar em desenhos, aquarelas, esculturas e murais. Em 1982, recebeu o título de Doutor Honoris Causa, da Universidade Federal da Bahia. Faleceu em 1997, após passar mal durante uma reunião no Terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá.
Serviço
“Verger e Carybé: entre as duas margens do Atlântico”
Centro de Atividades Benedito Marques da Silva
Av. das Amoreiras, 450 – Parque Itália – Campinas/SP
Até 28 de setembro, de terça a sábado, das 9h às 20h, exceto feriados Telefone: (19) 3772-4100