Onde foi que nós erramos?
Essa é uma pergunta comum entre pais inseguros com os caminhos escolhidos pelos filhos, quando geralmente são contrários aos apontados por eles. Hoje me faço essa pergunta como jornalista. Onde foi que erramos?
Por que se destila ódio sobre muitos de nós, como se fossemos a causa de todos os problemas da nação? Busco no passado esse nó que não desata. Onde começou o embaraço sobre nossa tão difícil e delicada profissão, por si só já cercada de riscos e fragilidades, assim como sua matéria-prima, a ação humana?
Ação, que dada a possibilidade de expressão por meio dos jornais, emprestou a eles o status de quarto poder. Seria essa a causa de tanta revolta? Um poder não eleito pelo povo, mas que tem a capacidade de emitir críticas ao poder constituído, formar opiniões e mobilizar cidadãos? Se há mesmo esse poder, como e para onde nos moveu até hoje o jornalismo? Como o exercício da crítica é transformado em alvo de crítica?
Seria, o contrário, a falta desse exercício ao longo dos recentes anos? Ou ainda, sua forma seletiva? O Gazeta de Barão fez essas perguntas para jornalistas que por dedicação ao ofício bem podem falar sobre ele hoje e ontem. Ao fim, esperamos ajudar a responder a mais difícil delas – onde foi que erramos – para, enfim, vislumbrar o amanhã.
“A gente perdeu, como jornalistas, o faro da rua”
Felipe Zangari
Felipe Zangari é jornalista, formado em 2005 pela Faculdade Cásper Líbero. É bacharel em teologia e mestre em Ciências da Religião. Atua na área de jornalismo desde 2002, tendo passado, entre outras pelas redações da TV Globo, da RedeTV! e do Jornal Bom Dia. Desde dezembro de 2014 é diretor executivo da Rádio Brasil, emissora da Arquidiocese de Campinas.
“Alimentamos muito mais o desejo do que a tentativa de compreender o mundo, o outro”
Marcel José Cheida
Marcel José Cheida é jornalista, formado pela Puc-Campinas, onde cursou, também, mestrado em Filosofia Social. Professor na mesma instituição na Faculdade de Jornalismo. Atuou como jornalista em jornais impressos, emissoras de rádio e televisão. Integra, atualmente, a diretoria da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo.
“Deixamos de lado o debate público”
Duílio Fabri Júnior
Duílio Fabri Júnior/ Professor e jornalista, doutor em linguística pela UFSCAR, trabalhou durante 25 anos no grupo EPTV em cargo de gerência, também no jornalismo on line. Hoje é coordenador dos cursos de Moda e Publicidade no Centro Universitário Unisal, em Americana.
“É querer para o jornalismo um papel que ele não tem”
Carlos Alberto Zanotti
Carlos Alberto Zanotti é professor da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas e do Programa de Pós-graduação em Linguagens, Mídia e Arte da mesma Faculdade. Durante 15 anos trabalhou como repórter, editor, produtor e chefe de reportagem em vários jornais de Campinas e São Paulo.
“Jornalismo não é feito pra agradar”
Renata Canales
Renata Canales é jornalista, mestra em Filosofia da Educação e docente universitária em vários cursos de Jornalismo. Editora/apresentadora na TV Bandeirantes, TV Cultura, Globo News, afiliadas da TV Globo em Santos e Ribeirão Preto. Autora dos livros ” Vidas Crônicas” e ” Pepe- Em defesa da Natureza”.
“A imprensa tradicional tem uma cara, um CNPJ”
Maria Angélica Pizzolato
Maria Angélica Pizzolato é jornalista há mais de 30 anos, trabalhou no grupo EPTV, em Campinas, e é autora do blog Cronicando.
“Ele erra e acerta, mas o momento é de buscar os acertos”
Pedro Varoni
Pedro Varoni, jornalista, ocupou cargos de gestão no grupo EPTV e TV Sergipe, afiliadas da Rede Globo. Foi também diretor geral da EBC. É doutor em linguística pela Ufscar, pesquisador em pós doutorado na ECA/USP, coordenador do curso de Publicidade da Unicep São Carlos e editor do Observatório da Imprensa. Varoni é autor de A Voz que Canta na Voz que Fala: poética e política na trajetória de Gilberto Gil (ateliê, 2015).
ONDE FOI QUE NÓS ERRAMOS? – Conclusão possível (por enquanto…)
Esse nós exige uma visão realmente plural. Nós – empresa jornalística, jornalistas nas redações e até mesmo o público – cada vez mais produtor de conteúdo, ou seja, que tem também sua responsabilidade nisso tudo. E por isso mesmo, por esse acesso amplificado, o jornalismo hoje é como um bem público. Pelo menos o seu produto, a notícia, é. Como controlar quem terá ou não terá acesso?
Essa nova realidade e as crises econômicas têm esvaziado as redações, com menos investimento em bons profissionais e boas reportagens. Mas, não tem milagre sem jornalista bem formado, informado, sem estrutura para trabalhar, principalmente na rua, onde nasce o fazer jornalístico, onde está o cidadão.
Este cidadão comum, agora é também produtor de notícia. Mas, conhecer a técnica, não é conhecer os princípios éticos da profissão. É assim que esse cidadão embarca facilmente na fabricação de notícias de acordo com seus valores e interesses, e não de acordo com os princípios do bom jornalismo, que preconizam o interesse público, e não o interesse do público.
Essa é a condição para que possa denunciar, criticar e exercer a vigilância independente das instituições, tendo como base o direito à livre expressão e como responsabilidade e dever, a informação plural.
É nesse ponto, o da responsabilidade e da pluralidade, que entram as Fake News. Essa praga da atualidade mistura fatos verdadeiros e falsos, na defesa do ponto de vista de grupos específicos. Cínicos, eles vestem uma roupagem jornalística em suas publicações, fantasiando uma credibilidade de fachada, argumentando o direito à tão proclamada liberdade de expressão.
Iludem milhares, milhões de pessoas, que aderem à falta de pluralidade e passam a defender a liberdade condicionada a uma bandeira, a uma única voz, gerando a impressão de que fazer jornalismo é coisa fácil, banal, para qualquer pessoa, em qualquer circunstância; afinal basta apenas ter uma opinião, ter seguidores nas redes e talento para falar, escrever, criar um canal, um blog, um isso ou aquilo.
Enfim, o jornalista nas redações, no momento em que todos “brincam” de ser jornalistas, fica refém de determinados públicos e da empresa jornalística, que no devido tempo também deixou de investir no profissional e suas condições de trabalho, deixou de fazer o dever de casa e de ser protagonista em defesa do bem público, da informação plural.
Não somos vítimas, temos todos responsabilidade sobre nossas ações. Por isso, assim como os pais não devem se sentir culpados por todos os erros dos filhos, nós também não podemos ser responsabilizados, agredidos e desrespeitados por grupos que nem de longe sabem o que é liberdade, muito menos liberdade de expressão. Grupos que não sabem o que é interesse público. Grupos que não sabem o significado da palavra responsabilidade e muito menos da palavra pluralidade.
Erramos, acertamos, erramos, acertamos, somos responsáveis, somos plurais, somos jornalistas!!!!!
Foto destaque: @andreapiacquadio_
Texto: Hebe Rios