Barragem leva apreensão a moradores de Pedreira
Por: Álvaro da Silva Júnior
Serão duas obras, em Pedreira e Amparo, mas a primeira foi parar na Justiça, que liberou o projeto.
Uma barragem prevista para ter 600 metros de extensão e 50 metros de altura, no rio Jaguari, a dois kms da zona urbana de Pedreira, está tirando o sono de parte dos moradores da cidade que integra a RMC. Em Campinas, onde haverá reflexos da área a ser inundada, na zona rural do bairro Carlos Gomes, a empresa de abastecimento Sanasa conta com a obra para atingir o nível de segurança hídrica pelos próximos 15 a 20 anos. Também defensor do projeto, o consórcio formado para gerenciar a bacia do PCJ – dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – informa que o sistema atual vem apresentando sinais de estar no limite do esgotamento desde 1989.
Embora também defenda a proposta, o prefeito de Pedreira, Hamilton Bernardes Júnior, alega que o Governo do Estado, responsável final pela construção da barragem, não cumpriu com os requisitos legais para avaliar os impactos que a obra trará à sua cidade. Já recorreu duas vezes à Justiça, mas não conseguiu impedir o avanço das máquinas que atuam na preparação do terreno. Enquanto isso, dizendo-se pouco informada, parte da população dos locais próximos teme que se repitam no município os desastres ambientais de barragens da mineradora Vale nos municípios Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.
“Espero que não aconteça nenhum acidente, pois os políticos investem na construção, mas não investem na manutenção. A população precisa de água, não há dúvida, mas o poder público deveria encontrar outra maneira de ajudar quem está sem água, criando ações para preservar a água sem pôr em risco a população da cidade”, afirma o professor da rede pública estadual Antônio Aparecido Romero, 61 anos, morador de Pedreira. Ele se diz contra a construção da barragem, pois acredita que se acontecer um acidente “vai desvalorizar a cidade”.
A obra também está também tirando o sono de alguns moradores de Campinas. Dona Valdenira Pereira Moreira, de 71 anos, mora em uma casa que vai ser inundada quando a barragem estiver pronta e abastecida. Sua casa está localizada no sítio Nossa Senhora Aparecida, no bairro Carlos Gomes, uma região rural com pequenos sítios no município de Campinas.
Dona Valdenira disse que ficou doente quando soube que ia ter que deixar a casa onde vive há mais de 25 anos. “Eu desmaiei, fui parar no hospital. De lá pra cá, só fiquei tomando remédio e aí começou dar bastante problema de saúde”, diz com a voz embargada e lágrimas nos olhos. Proprietária de um bar que fica no sítio em que mora, do qual tira seu sustento, ela relata que está esperando a definição do valor que receberá como indenização, mas não sabe o que vai ser da sua vida depois de deixar o local.
Duas barragens
De acordo com o projeto do DAEE, serão construídas duas barragens na Região Metropolitana de Campinas, nos municípios de Pedreira e Amparo, esta última chamada Duas Pontes. Juntas, terão capacidade para atender a uma população da ordem de 5 milhões de habitantes, estimada para daqui 20 anos.
Em fevereiro deste ano, o prefeito de Pedreira, Hamilton Bernardes Junior, assinou decreto de embargo da obra até que o governo estadual apresentasse um plano de ação para a hipótese de emergência, caso houvesse problemas na barragem. O prefeito diz que não é contra a obra, mas entende que algumas etapas não foram cumpridas pelo Governo, como a apresentação de um plano de emergência por parte do DAEE.
“A cidade de Pedreira, até o momento, não recebeu nenhuma ajuda do Governo do Estado e já vem arcando com prejuízos no sistema municipal de saúde, em segurança, além de toda a logística da represa, que vem causando prejuízos com a quebra de canos da rede de distribuição de água”, argumenta Bernardes Júnior.
Em nota, o DAEE contestou o prefeito, dizendo que todas as ações foram tomadas e que todas as medidas foram explicadas à população local pelos membros do Departamento em fevereiro último, em quatro diferentes apresentações. Elas teriam ocorrido na Associação Comercial, na Prefeitura Municipal, na Câmara de Vereadores e na sede da Loja Maçônica, com a participação do prefeito e vereadores locais.
O DAEE informa ainda que o projeto vem cumprindo rigorosamente todos os preceitos fixados no Plano Nacional de Segurança de Barragens, estabelecidos na Lei nº 12.334/2010, bem como nas amplas diretrizes da Agência Nacional de Águas (ANA), que englobam as fases de elaboração de projeto, construção, operação e situações de emergência. A Resolução ANA nº 34/2018 estabelece ainda as diretrizes para elaboração do plano de segurança da barragem Pedreira e classificação de risco, que devem ser desenvolvidos durante as obras e concluídos antes do primeiro enchimento da barragem.
Segundo afirmam os defensores da obra em Pedreira, a barragem poderá ser usada para fomentar o ecoturismo na região por meio de esportes náuticos e pesca. Ao que argumentam, todas as possibilidades de uso do reservatório e seu entorno serão discutidas em momento oportuno, conforme previsto nas condicionantes da Licença de Instalação. O Consórcio BP, responsável pela obra, estima contratar cerca de 700 trabalhadores diretos, o que gerará renda e contribuirá para intensificar a economia da cidade.
Prioridade
Após a crise hídrica ocorrida em 2014, o Governo do Estado priorizou investimentos para atender à demanda crescente por recursos hídricos. Neste sentido, em 2018, o então governador Geraldo Alckmin assinou contrato para a construção das barragens de Pedreira e de Duas Pontes, em Amparo. As barragens têm o objetivo de intensificar a oferta hídrica e aprimorar a operação do Sistema Cantareira, especialmente nas épocas de estiagem, quando nem sempre a reserva do banco de águas é suficiente para suprir as necessidades das bacias de Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ).
O reservatório de Pedreira ocupará uma área de 4,3 km2 nos municípios de Pedreira e Campinas, com capacidade para acumular 31,9 milhões de metros cúbicos de água, e disponibilizará uma vazão de 8,5 mil litros de água por segundo. Já o reservatório Duas Pontes terá uma área de 8,8 km2, no município de Amparo, com capacidade para 53,4 milhões de metros cúbicos, e disponibilizará uma vazão de 8,7 mil litros de água por segundo.
Paulo Roberto Szeligowski Tinel, 63 anos, químico e especialista em recursos hídricos da Sanasa, diz que as barragens, depois de prontas, funcionarão como uma complementação aos volumes despachados pelo Sistema Cantareira, proporcionando uma regularização adicional de até 6 metros cúbicos por segundo para a bacia do PCJ. Esse volume, segundo argumenta, garantirá segurança hídrica os próximos 15 a 20 anos.
Além da construção das barragens, será necessária também a construção de um sistema adutor regional, para efetuar a transposição de águas do rio Jaguarí para o rio Atibaia. Este sistema aumentará a disponibilidade hídrica para toda RMC, segundo Tinel. De acordo com ele, é fundamental entender que a gestão dos recursos hídricos é de competência da União em rios de dominialidade federal, e do Estado em rios de dominialidade estadual. Aos municípios cabem apenas pleitear as vazões necessárias para garantir um crescimento sustentável.
“Convém ressaltar que este conjunto de obras, previsto para operar a partir do ano 2025, é necessário para atender as futuras demandas hídricas dos municípios e indústrias situadas na RMC. Portanto, a Sanasa tem um posicionamento favorável às barragens”, diz Tinel.
Gerente técnica do Consórcio PCJ, a bióloga Andréa Borges, 34 anos, diz que o consórcio e os demais entes da “família PCJ” (comitês e agência) são favoráveis à construção das barragens de Pedreira e Duas Pontes, consideradas essenciais para garantir a segurança hídrica da região até 2035.
Andréa afirma que, já em 1989, os estudos prévios de planejamento para a criação do consórcio apontavam que as Bacias PCJ apresentavam grande estresse hídrico, sendo necessária a ampliação das suas disponibilidades. E que, de acordo com o Plano Diretor de Aproveitamento dos Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista, as Bacias PCJ devem se preparar para atender a um aumento de 10 metros cúbicos por segundo na demanda de água até 2035. Os reservatórios de Pedreira e Duas Pontes representam, juntos, cerca de 7 metros cúbicos.
Segundo Andréa, os 3 metros cúbicos faltantes terão que ser alcançados mediante ações públicas e de educação cidadã, como proteção dos mananciais, com reflorestamento e tratamento dos efluentes; difusão de práticas de uso racional de água, reuso e tecnologias economizadoras para prédios públicos, residências, indústrias e agricultura; redução de perdas no abastecimento, que hoje são de 36% em média; e ações de educação, comunicação e sensibilização ambiental, visando uma mudança cultural que possibilite a sustentabilidade hídrica.
Texto originalmente publicado no Digitais PUC-Campinas https://digitais.net.br/2019/05/barragem-leva-apreensao-a-moradores-de-pedreira/
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti