Grupo da Unicamp investiga fake news sobre coronavírus
Chá de abacate com hortelã previne o coronavírus? Soro da imunidade? Cuba produziu uma vacina contra o Covid-19? Ou foi Israel? Ou, na verdade, tudo isso é uma conspiração chinesa para destruir as economias ocidentais? Calma, todas essas são informações falsas que estão sendo disseminadas pelas mídias sociais por conta do clima de apreensão que as pessoas têm sentido com a pandemia do coronavírus. Assim como a descoberta de uma vacina para a nova doença, explicar por que as pessoas compartilham fake news ainda é um desafio. Mas uma iniciativa do Grupo de Estudos da Desinformação em Redes Sociais (EDReS) da Unicamp pode ajudar a mapear e combater os boatos que só atrapalham o mundo neste momento.
O grupo criou uma hotline no WhatsApp para onde qualquer pessoa pode encaminhar fake news relacionadas ao coronavírus recebidas pelo aplicativo. O número é o +55 (19) 99327-8829. A ideia é reunir uma grande quantidade de notícias falsas para criar um banco de dados, classificar essas informações e identificar alguns padrões importantes para combatê-las, como as motivações que levaram aos compartilhamentos e ainda suas fontes. Iniciada na última semana, a coleta já mostra que as notícias falsas podem ser tão contagiosas quanto o coronavírus. Até o momento, eles já reúnem cerca de 8 mil informações.
O EDReS é um grupo interdisciplinar e conta com pesquisadores de diversas áreas. Entre seus membros, estão Leda Gitahy, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG) e Leandro Tessler, do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW). Eles também têm parceria com Átila Iamarino, doutor em microbiologia e um dos criadores do canal Nerdologia no YouTube, e outras colaborações estão em estudo, com Virgílio Almeida, pesquisador em Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, e com o site Aos Fatos, que trabalha com checagem de informações.
Piadas, curas milagrosas e conspirações
A decisão de monitorar notícias falsas sobre o coronavírus surgiu com o trabalho já desenvolvido pelos pesquisadores a respeito de outros temas. Leandro Tessler conta que, em 2019, começou a orientar uma pesquisa de doutorado relacionada às fake news sobre terraplanismo e, com isso, conheceu o trabalho de Leda Gitahy na área. Com o surgimento do coronavírus no debate público, a opção foi automática. Por ser um estudo realizado ao mesmo tempo em que ocorre a disseminação do coronavírus, ele explica que o objetivo inicial dos pesquisadores é catalogar os tipos de informação que são compartilhadas para depois entender como a propagação das fake news ocorrem e o que leva as pessoas a compartilharem. “Quando apareceram os primeiros sinais do coronavírus, logo começou a circular muita desinformação, primeiro em inglês e depois aqui no Brasil em português. Nós então entendemos que isso era uma janela de oportunidade para compreender melhor como isso acontece”, comenta Leandro.
No momento, eles ainda trabalham na criação de um sistema automático que faça o processamento dessas mensagens e seja capaz de catalogá-las. “Tem vários caminhos possíveis para a gente seguir, desde escolher alguma mensagem, que a gente sabe onde está a origem dela, e entender como ela se propaga, até buscar a formação de bolhas, como é o caso de pessoas que assistem a um vídeo de desinformação e acaba buscando outro vídeo ligado também à desinformação. Esse padrão psicológico e cognitivo das pessoas que acaba fazendo com que elas se iludam, fiquem presas em uma bolha de desinformação pseudocientífica”, analisa.
Mesmo ainda no início, já é possível identificar algumas características comuns das notícias que são propagadas. São informações principalmente de caráter humorístico, que fazem piadas com a situação, e boatos a respeito de possíveis remédios, vacinas e procedimentos milagrosos. Outras notícias falsas que preocupam os pesquisadores são as teorias conspiratórias, agravadas pelo ambiente político do país: “Nós estamos preocupados também com outros interesses que podem aparecer em notícias de cunho político, notícias que envolvem teorias da conspiração e planos mirabolantes, para um lado ou para o outro. Isso é muito prejudicial para o entendimento do tamanho do fenômeno do coronavírus”.
Leandro menciona o exemplo de notícias falsas envolvendo uma suposta vacina contra o coronavírus, que teria sido desenvolvida em diferentes países. O grupo percebeu que pessoas com visões políticas mais alinhadas à esquerda foram as que mais compartilharam a notícia de que a vacina vinha de Cuba. Já usuários das redes identificados com a direita repassaram a informação de que a imunização vinha de Israel. Ambas as notícias são falsas e revelam o que as pessoas já acreditam e esperam da doença.
“Não existe vacina contra o coronavírus, nem em Israel, nem em Cuba, em lugar nenhum. O mundo inteiro está buscando mecanismos para a vacina, inclusive com esforços aqui no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha. Uma vacina leva mais de um ano para ser desenvolvida, testada, produzida para ser feita a vacinação em massa. Outros vírus também não têm vacina ainda. Isso mostra como a polarização política das pessoas, a forma como elas olham para o mundo, pode influenciar no tipo de desinformação pode ser propagada pela internet”, adverte Tessler.
“Entender a desinformação é muito relevante”
Não há um prazo definido em que o grupo fará a coleta de fake news sobre o coronavírus, eles vão acompanhar a evolução do fenômeno e, ao mesmo tempo, trabalhar nas formas de processamento e análise das notícias falsas. Com a coleta e o processamento das desinformações, o estudo poderá ser capaz de mapear a origem das fake news mais enviadas e identificar quais os maiores boatos disseminados, para que o poder público e instituições que trabalham com políticas de saúde possam informar e orientar a população de uma forma mais eficiente.
“Hoje os brasileiros se informam mais por redes sociais do que por meios tradicionais, como televisão e imprensa escrita. Para nós é muito importante entender a disseminação de notícias falsas, da desinformação, na direção de tentar encontrar maneiras de conter isso. Isso é muito parecido com uma epidemia real. Se nós tivermos mecanismos para conter a propagação da desinformação, a gente pode contribuir para conter a própria pandemia”, avalia Leandro.
Originalmente publicado no portal da Unicamp
https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/03/18/grupo-da-unicamp-investiga-fake-news-sobre-coronavirus