Quaresma
Por Padre José Trasferetti
O tempo da quaresma vai da Quarta-feira de Cinzas até a missa da Ceia do Senhor. É o tempo de preparação para a Páscoa. O tempo quaresmal possui uma dupla índole, ou seja, lembra o nosso batismo e ao mesmo tempo nos prepara para a celebração do mistério pascal por meio da penitencia, oração e ausculta da palavra de Deus. Tempo muito propício para os cristãos meditarem sobre sua fé, inserção social e compromisso com o evangelho de Jesus. Para os que pretendem viver de modo cristão a vida continua difícil.
No inicio, os cristãos precisavam se esconder nos subterrâneos das catacumbas, hoje é preciso fugir dos perigos da pós-modernidade (redução do sentido da vida ao bem-estar, ao consumismo fácil, ao desperdício ou mesmo as tentações dos ídolos do dinheiro e do mercado). Amanhã (Quarta-feira de Cinzas) a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristas do Brasil (CONIC) promovem a Campanha da Fraternidade Ecumênica, cuja finalidade principal é vivenciar e assumir a dimensão comunitária e social da quaresma.
O tema da campanha é: “Economia e Vida” e o lema, “Não podeis adorar a Deus e ao Dinheiro (Mt 6,24). Os princípios da oração, jejum e esmola, são iluminados de modo especial no contexto desta campanha nacional que mobiliza milhares de comunidades cristãs. A imposição das Cinzas nesta quarta feira recorda a fragilidade humana. As palmas bentas no último Domingo de Ramos foram queimadas e se tornaram cinzas que cravam nossas cabeças mostrando a natureza limitada do nosso ser.
É muito importante que a comunidade perceba que a quaresma é tempo de preparação para o Tríduo Pascal. Momento ímpar para renovação dos nossos compromissos como seguimento de Jesus Cristo. No evangelho de domingo passado (Lc 5,1-11) Jesus começou a chamar os apóstolos. Os primeiros são pescadores. Eles vão começar a formar a comunidade de irmãos, a comunidade dos discípulos de Jesus. Não eram santos, se consideravam pecadores e sentiram o peso da responsabilidade. Mas não desistiram, aceitaram o convite do mestre e “deixaram tudo” para segui-lo. Uma atitude moral de total radicalidade, uma escolha pessoal livre norteada pela fé enquanto risco.
Neste tempo quaresmal, a CNBB e o CONIC levarão para cerca de 50 mil comunidades cristãs discussões sobre economia. O texto base preparado mostra que existe uma crescente dívida interna no Brasil, alta taxa de juros, elevada carga tributária dificultando a vida de muita gente. Sobre a dívida interna, o manual da campanha afirma: “apesar dos gastos com juros e amortizações da dívida pública consumirem mais de 30% dos recursos orçamentários do país, essas dívidas não param de crescer. A dívida interna alcançou a gigantesca cifra de R$ 1,6 trilhão em dezembro de 2008, tendo apresentado crescimento acelerado nos últimos anos”. Nossa “Escola da Fé”, coordenada pelo Dr. Marcos Duran, promoveu semana passada uma conferência sobre o tema da Campanha. Muitos líderes de comunidade estavam presentes para ouvir e debater com a Dr. Maria Emilia assuntos relacionados a idolatria, consumismo, economia global, etc .
Mais do que reflexões amplas, queremos proporcionar aos cristãos reflexões sobre a vida do dia-a-dia. Afinal, como nos relacionamos com o dinheiro? Será que não estamos transformando o dinheiro num Deus? O mercado não possui uma linguagem religiosa? Tenho visto famílias inteiras se dividirem por causa de dinheiro. Muitas pessoas conhecem situações de discórdias entre marido e mulher, pais e filhos causadas pelo apego desmesurado ao dinheiro. Quando o dinheiro deixa de ser “instrumento de uso” e se transforma em “Deus”, todo o nosso ser se transforma. Os teólogos e economistas chamam esta inversão de fetiche.
Penso, que esta campanha será um importante momento para nossa reflexão coletiva e pessoal. O manual da Campanha mostra que infelizmente ainda temos 40 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e não há trabalho e saúde para todos. Segundo o Manual preparado pela CNBB, não podemos esquecer que o Planeta Terra não passa de um grão de areia na imensidão do universo. Mas é um grão de areia habitado, onde pulsa um coração vivo e vibrante. Nele, o ciclo da vida se reproduz há bilhões de anos. É o único planeta conhecido onde a vida viceja exuberante. Somos todos chamados a manter viva a sinfonia da criação, a cuidar, respeitar e conviver com a variedade e pluralidade das formas de vida. Faça a sua parte, participe desta campanha e ajude a renovar a face da terra.
Padre José Trasferetti é doutor em teologia e filosofia, professor titular da PUC-Campinas e avaliador do Inep/MEC