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Sobre ‘Black Mirror: Bandersnatch’, Netflix e o poder de decisão

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Texto: Edson de Paula

Experiência interativa da Netflix faz com que o espectador tome decisões para o personagem principal. Qual é o efeito comportamental que o filme proporciona ao espectador?

Noite fria de dezembro das nossas férias de família em Orlando. 

Todos estão dormindo e eu ainda estou acordado, pensando na vida, no que deu certo e no que deu errado, afinal de contas, o dia 31 de dezembro está chegando e é praticamente inevitável não fazer uma revisão do ano. Como o sono não chega, resolvo ligar a televisão, ou melhor, a Netflix. Hoje em dia é assim: a Netflix, pioneira e líder do streaming, virou sinônimo de televisão. Antigamente a gente falava “assisti isso ou aquilo na televisão” e atualmente “assisti na netflix”. Não sei lhe dizer exatamente, qual será a forma da “net” ou do “flix”  que estará em evidência no futuro, mas uma das certezas que tenho é o fato de que tudo, enfim, muda ou morre. 

Então, voltando à minha abertura inicial, resolvi “ligar a netflix”. Na tela principal, um título chamou-me a atenção logo de cara, era o lançamento de “Black Mirror: Bardersnatch”. Uau! Pensei “mais um filme da série Black Mirror?”. Eu sei que você deve estar antenado mas, acredite, tem muita gente ainda que não sabe o que é Black Mirror, série na qual sou um fã aficionado. Trata-se de uma série britânica de ficção científica que trás temas obscuros e satíricos que procuram mostrar as consequências imprevistas das novas tecnologias.

E esse tal de “Bandersnatch”? O que é isso, afinal? O nome é uma homenagem à uma criatura imaginária criada por Lewis Carrol, o escritor de “Alice no país das maravilhas”. Este termo “Bandersnatch” aparece com certa frequência na cultura pop, inclusive no videogame “Final Fantasy”… Mas, citações e explicações à parte, vamos ao que interessa sobre o filme em si, sem spoilers.

Primeiramente, não se trata de mais um simples episódio da série Black Mirror, é um filme de 90 minutos interativo, ou seja, você escolhe alternativas e toma decisões que impactam diretamente no rumo dos acontecimentos da trama. Isto proporciona uma experiência televisiva que, dependendo das possibilidades, pode oferecer mais de 300 minutos de entretenimento.

O ponto em questão aqui é a experiência que o filme proporciona, ou pelo menos, tenta proporcionar que é uma “experiência interativa”. Fiquei intrigado com esta proposta, era quase meia-noite, estava completamente sem sono e o primeiro pensamento que veio, sinceramente, foi o de “O que tenho a perder?”. Então, comecei a assistir e aos poucos fui sendo convidado a escolher as alternativas que eram sendo apresentadas ao longo da trama que é bem interessante, por sinal.

O enredo e a interatividade do filme

O ano é 1984, o personagem principal é um jovem programador chamado Stefan que está adaptando um romance de fantasia, no caso, o “Bandersnatch” para um jogo de videogame. Stefan tem vários problemas com o pai e está passando por sessões de terapia, pois é muito inseguro quanto às decisões que toma. Então, o objetivo é fazer com que o espectador entre “literalmente” na trama, tomando as decisões por Stefan. E é aí que começa, na minha opinião, a grande sacada desta experiência e ao mesmo tempo, o grande dilema que é proposto sobre o ato de tomar uma decisão.

Tomar decisões tem sido ao longo da minha vida pessoal e profissional, algo realmente intrigante para mim. Como especialista em comunicação e comportamento organizacional tenho dedicado uma grande parte do meu tempo para estudar e pesquisar como se processam as nossas escolhas e como tomamos nossas decisões. Eu, assim como você, acredito, já perdi muitas noites de sono com grandes decisões que precisei tomar em minha vida como casar, construir uma casa, mudar de emprego, ter filhos, tudo isso pode ser algo realmente estressante.

Ao longo do caminho de nossas vidas, precisaremos aprender a fazer escolhas. Algumas pessoas tendem a tomar decisões de acordo com seus interesses e valores éticos. Existem pessoas que pensam muito antes de decidir considerando consequências futuras dos seus atos, outras tendem a decidir sem pensar muito no processo decisório, concentrando-se apenas nos seus sentimentos e percepções sobre as situações.

O efeito comportamental que o filme proporciona

Quando tomamos decisões, existem vários fatores comportamentais que influenciam nosso pensamento e a maneira como nos sentimos sobre as coisas e situações. Um deles é chamado de “fator de propensão ao risco”, ou seja, existem pessoas que são mais propensas à arriscar que outras em suas decisões. Eu, por exemplo, procuro analisar todas as possibilidades antes de decidir, ou seja meu fator de propensão ao risco é baixo. Portanto, propensão ao risco é a disposição de arriscar mesmo que isso resulte em perdas. E o que é uma decisão? Simples e complexamente trata-se de uma escolha.

No filme, há uma certa pressão e tensão para decidir, assim como na vida real ou sendo até mais desafiador em algumas sequências da trama. Não há muitas opções, normalmente são 2, ou seja, você tem que decidir rápido, por exempo, sobre qual música Stefan irá ouvir no seu walkman. Até aí tudo bem, pois escolher uma música não é algo que impacta sobremaneira na vida de alguém, compreende? É uma decisão não emocional, baseada apenas em sua preferência musical.

Mas o fato é que as escolhas vão se tornando mais intensas e profundas, algumas delas envolvendo decisões sobre praticar atos que corrompem questões éticas e até valores morais. Existe um tempo para escolher, enquanto as escolhas aparecem na tela, uma música tensa de fundo vai ficando cada vez mais alta.

Outro efeito comportamental que a experiência proporciona é a “ansiedade para acertar” ou o “medo de errar” nas decisões. Existem algumas sequências do filme que fazem o espectador voltar em uma espécie de “looping” e escolher novamente, dando a entender que a escolha não era a melhor. Isso gera uma certa frustração, confesso, mas ao mesmo tempo consegui compreender que tratava-se de uma escolha que desviaria demais a trama principal do filme. Ou seja, para a trama do filme “nem sempre a melhor decisão conduzirá ao melhor resultado esperado”.

Enfim, fiquei acordado durante quase toda a madrugada com este filme, o sono não vinha de jeito nenhum. Acreditem, vou assistir novamente, eu escolho fazer isto.

Esta experiência, este “evento” como está sendo chamado pela Netflix, traz a convicção para mim de que estamos vivendo um momento histórico da quarta revolução industrial e mostra também que ainda teremos muito para descobrir sobre o potencial das novas tecnologias e sua interatividade com o elemento humano.

O Stefan, personagem do filme, percebe que existe um certo controle vindo do futuro, este controle era o comando das minhas decisões. O futuro hoje comanda as nossas decisões, ele está no controle ou no descontrole das nossas ações? Cabe à nós adaptarmo-nos às suas solicitações ou decidirmos mudar o rumo dos acontecimentos?

Conclusão

Resolvi escrever este artigo para mostrar que o único poder que possuímos nesta vida é o poder das nossas escolhas. Quando decidimos por algo, abrimos caminho para novas oportunidades e ao mesmo tempo renunciamos tantas outras. Portanto, toda escolha é uma renúncia e saber renunciar é abrir espaço para o novo, para sua melhor ou pior decisão. Eu decidi perder uma noite de sono para ganhar esta experiência e poder compartilhá-la com você, compreende?

A boa ou má notícia, isso vai depender de como você escolhe acolher esta última informação – e prometo mais uma vez que não se trata de spoiler – é que você pode reassistir o filme novamente fazendo escolhas diferentes. Ao fazer isso, você poderá tirar o peso de suas decisões “erradas” que poderiam envolver conflitos éticos ou morais.

Pena que isso só acontece no filme, não é?

Edson de Paula é palestrante e especialista em liderança, comunicação e comportamento organizacional.

Álvaro da Silva Júnior

Jornalista, Fotógrafo e profissional de Marketing e Comunicação Integrada.

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